segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Carteado

E numa arrumação dentro das gavetas de mim,
encontrei esta carta que, um dia, tão carinhosamente, te escrevi.
Tão empoeirada que já nem reconhecia a cor da tinta,
mas não me esqueci da melodia dos versos.
Hoje leio na saudade de quando eras minha
todas as palavras que nem soube te dizer
e todas as que, impensadamente, te disse.
Hoje sei que muitas das letras que encorpam uma carta
foram mesmo feitas para não serem vistas;
que os olhos são meios falhos de enxergar o mundo,
mas funcionam bem quando se quer mostrar a alma;
e que, quando se toca uma alma, não se sai sem deixar marcas.
Dobro, hoje, este papel novamente
pensando se um dia ele tocará suas mãos.
Pensando se ainda poderei sentir o perfume dos teus cabelos longos,
da tua pele...
Eis o encanto do tempo. O que ele me trará eu não sei.
Na verdade, já nem sei se vivi você, morena,
ou se te criei.

domingo, 14 de novembro de 2010

Não calem os calos!

Uri vivia em um pequeno vilarejo e não conseguia um trabalho que fosse julgado digno por sua comunidade. Vivia muito triste, mas alimentava sua família - seu pai havia adoecido uns anos antes. Culturalmente, a população daquele vilarejo obrigava todas as pessoas que pudessem denegrir a imagem do lugar a usarem uma fita, muito forte, amarrada ao pulso. Depois do primeiro roubo (um pedaço grande de pão), Uri foi agarrado e recebeu a tal 'marcação'.

Desde então, anos se passaram. A época era outra já. Uri conheceu um empresário muito rico numa feira do lugar. Vendo a facilidade de comunicação dele, o empresário convidou Uri para trabalhar com ele em seu novo négocio. Uri nunca tinha tido nenhuma oportunidade parecida durante toda a sua vida. Aceitou de pronto!

Com essa nova vida, Uri começou a ver o mundo de outra forma. Saiu do vilarejo; conheceu novas pessoas. Depois do primeiro mês trabalhando, ele descobriu que poderia tirar a fita que era forçado a usar. A notícia trouxe um brilho aos olhos dele de que nem se lembrava mais. Mas, para retirar a fita, ele deveria visitar um monge no alto de uma colina, próxima ao vilarejo.

Na manhã seguinte, Uri acordou muito cedo, colocou uma roupa limpa e saiu de casa, rumando a colina. Caminhou por horas, embaixo de sol forte, até que avistou a entrada de um pequeno bangalô. Enxugou o suor da testa antes de entrar - queria estar apresentável. Imaginava ver uma pomposa porta, mas encontrou uma cortina fina cobrindo a entrada. Passou por ela e encontrou um senhor, pele ressecada, olhos úmidos. Sentou-se em frente a ele. "O que te trouxe aqui deve ser uma excelente razão", disse o senhor, "é uma subida difícil". "Eu fui liberado do uso desta fita", disse Uri, mostrando o pulso, "disseram que eu viesse aqui". "Ah sim... Só um minuto". O homem se levantou, foi até uma prateleira e trouxe uma tesoura brilhante. Ao sentar-se novamente, a manga de suas vestes se levantou e Uri viu um pedaço de pano de cor diferente, muito viva. "O senhor usa essa fita!?" perguntou, assustado. "Mas como isso é possível se o senhor é quem pode tirá-la de mim?" "Sim, eu tiro a fita dos outros, mas não pretendo tirar a minha." Uri ficou abismado. Jamais sentiu felicidade igual ao dia em que descobriu que poderia olhar para todos no vilarejo de frente. "Mas, senhor, perdoe-me a intromissão. Como o senhor se sente podendo não carregar mais o peso de ser diferente e, mesmo assim, optando por continuar com a fita?" O velho homem levantou-se, pegou a tesoura e cortou a fita do pulso do rapaz. Um sorriso nasceu no rosto de Uri. "Olhe seu braço", disse o senhor. Uma marca havia no pulso de Uri por causa dos muitos anos sob o sol, usando a fita. "Não importa que você se vista diferente, que pareça com todos os outros. O que vivemos ficará marcado em nós para sempre. São essas marcas que nos transformam em quem somos hoje. As experiências da vida são pessoais e intransferíveis. Quem não tem marcas é por que não viveu, decidiu ficar em casa assistindo a vida passar. E, por isso, eu mantenho a fita."

sábado, 30 de outubro de 2010

Alma em 140 caracteres

Uso poético do twitter.
Compilarei, aqui, algumas das frases que escrevo lá.
Uso sempre a hashtag #tweetpoesia depois de cada frase.

Espero que gostem.

"Pra mim, toda alegria é louca, toda dor é excrucitante e todo amor é pra sempre. Até que se acabem."



"Sou muito falante. É que tenho medo de que meu silêncio fale demais por mim."



"Eu ando descalço. Gosto de sentir o caminho. Só assim posso saber por onde não devo andar."


"Se a vida for um grande concerto que a gente vai aprendendo os acordes, eu te pergunto: me concede esta dança?"


"O monstro que vive no meu armário é aquele de olhos verdes." (based on Shakespeare)


"Não nasci pro ringue. Quem quiser torcer por mim, que me procure antes que soe o gongo."


"As fotos mais bonitas são aquelas imagens capturadas pela nossa retina, com a lente do coração"



"Que os erros de amanhã sejam novos e as alegrias, renováveis"


"It's ok if you don't want to walk right next to me, but try not to turn my traffic lights into red all the time." #poetrytweet


"Cante uma canção pra sua alma hoje. Diga a ela que você está aberto a viver e se deixar crescer."


"Não se iluda com mudanças. O que a gente tem dentro hoje nada mais é do que o mesmo de antes, visto sob uma nova ótica."


"Eu acredito no amor acima de tudo. Só não sei se ele já acredita em mim."


"Nunca é muito cedo ou tarde demais.Tudo acontece no tempo em lhe é devido.Sem questionamentos.Sem controle algum."


"Como precisar o que se precisa? As vontades e as necessidades se confundem num surreal jogo sem muitas precisões."


"E enquanto ela dança, o balanço dos seus cabelos negros faz minhas ideias se enroscarem..."


"Eu sou do mundo! Meu trabalho diário é o de serrar as grades com que, às vezes, eu mesmo me prendo. "


"Peço, com a chegada dessa primavera, que uma flor se abra só pra mim e me envolva com seu perfume até que o verão me derreta."

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Aquarela

Ninguém é totalmente são ou totalmente louco.
Se você tem um amigo muito equilibrado, centrado e coerente,
abra o olho, não é seu amigo.
Amigo é aquele que abre as portas de si
e mostra todas as suas nuances.
Se é só tom pastel, é farsa!
Gente de verdade tem dias acinzentados,
fica roxo de raiva, verde de ciúme e,
ouso dizer, já pensou em criar uma lista negra.
Se você gosta desse amigo por que ele te escuta,
não é amigo. É ouvinte;
Se gosta porque ele lembra de te chamar para todas as festas,
o dia que você viajar ou ficar doente, já era.
Quem te ama, se divide com você,
se mostra, se permite.
Nenhum amigo é de verdade
se você não identifica com facilidade alguns dos defeitos dele
- e mesmo assim, nunca os usa para magoá-lo -
e acompanha o crescimento diário dele;
E, claro, se você se sente livre pra fazer o mesmo.
Há de ter confiança!
E digo que confiar é fiar o novelo da vida com a ajuda do outro.
Ninguém é obrigado a ter empatia comigo.
Pode até me odiar, tem esse direito.
Pode, inclusive achar que eu não valho nada;
Talvez poucos centavos.
E aí eu digo que, nem cobro dízimo,
mas boto fé em mim!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Reptília

Sou meio cobra
e me despeço dessa pele em que não caibo mais.
Quero sempre novas coberturas,novo tato.
Mas não há maneira de se modificar
se você vive em cativeiro.
É preciso rastejar, gastar sua base na aspereza do chão.
E, acima de tudo, saber o momento ideal de dar seu bote
e cuspir seu veneno.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sexismo

Arrepios.
Beijos controversos;
Olhares felinos;
Roupa feita na medida do seu corpo,
assim é o meu.
Vontade de respirar você
e acordar em mim.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Primavera

Hoje uma flor se abriu,
disse a mim que, no solo, há muitas sementes
para que cada um cultive.
Há de nascer uma rosa?
Há de ser um cacto?
Na verdade, cada um escolhe a ideia que rega.

E quando vier a chuva
molhando todas as sementes,
lembre-se de que, ao chegar o sol,
será a hora de podar
tudo aquilo que não embelezar o jardim da sua alma.
O corte pode assustar,
mas a planta se fortalece com ele.

E se as pessoas lhe oferecerem
pragas à plantação,
confie no cultivo do bem,
em alguns meses eles verão...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

El niño



Encontrei sua mão perdida
e tratei de envolvê-la na minha.
Através daquele toque, me reparti,
me conheci, me conjuguei.
E, do seu rosto fechado, um sorriso nasceu;
Sua boca confiou-me versos
que, um dia, lhe dediquei;
E, na sua mente cansada,
uma bela canção tratei de pôr.
Não há coração tão gelado que não derreta ao conhecer o amor.

domingo, 19 de setembro de 2010

Diário

Amanheci.
Espreguicei as ideias;
Vesti um pouco de coragem
E fui.

Caminhei;
Procurei-me nas esquinas de mim mesma;
Enxerguei você uns quarteirões mais longe
E fugi.

Cansei-me.
Deitei nas nuvens;
Virei lua.
Anoiteci.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Comemorar!

Esse é um mundo feito de sonhos, não? Mesmo dos que não realizamos e dos que talvez não estejam destinados a virarem realidade. O dia em que criei este blog não foi um dia comum. E esse blog tinha um propósito egoísta de ser um lugar em que eu pudesse colocar tudo aquilo que transbordasse em mim. Até o momento em que eu descobri que a escrita é um instrumento de mudança. E o que estava ali, tão na superfície de mim, poderia tocar o mais profundo de alguém.

Mas, como eu havia dito, esse é um mundo de sonhos. E, para dez pessoas, essa semana foi de realizações.
Como participantes do prêmio Blog Books, estar entre os 10 blogs mais votados, de uma lista de mais de 400 concorrentes, é uma grande alegria!

Obrigada a todos pelos votos e pela torcida! O maior prêmio é saber que, pra alguém, meus escritos fizeram diferença.

Desfrutem, então, das palavras dessas pessoas já vencedoras!

A menina dos meus olhos
Ampulheta
Astronaut 13- Inc
Bruna Rafaele
Creitu
Hempadão
Pelvini
Perigosa Amizade
Quarenta Graus Celsius

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Livro Aberto

Não sou difícil de ler.
Sou complexa, sim. Mas isso é um toque a mais.
Tenho lá minhas metáforas e entrelinhas.
Muitas, aliás.
Não gosto de obviedades.
Minha poesia não tem métrica nem forma;
mas tem sonoridade.
Julgo ser uma leitura agradável,
tanto pra um pôr-do-sol no campo
quanto para uma noite de lua cheia.
Me permito ser lida
preferencialmente saboreando cada palavra.
Mais importante do que quem me lê
é quem ajuda a me escrever.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

As palavras tem poder...

     As palavras não traduzem o que há por trás dos olhos, não alcançam o profundo que há na alma. Mas elas têm o poder de mudar o mundo. Se não o planeta (embora eu, utopicamente, acredite), pelo menos mudam o mundo de quem ouve ou diz.
     Tem coisas que eu calo por medo de que sejam ouvidas e aconteçam. Outras eu digo por medo de que me vençam e me engulam. E que força estranha têm essas palavras... São capazes de fazer meu estômago se espremer como se houvesse necessidade de vomitar aquela ideia (é isso mesmo, não se assuste. As dores às vezes são tão físicas que a alma não dá conta de segurar); me levam do topo ao nada, certas palavras. Me reviram as crenças, testam a paciência e, com sorte, algumas me devolvem a paz.
     São todas sempre tão intensas que, algumas vezes, meu maior desejo é o silêncio. Mas esse não passa de um pensamento estúpido e imaturo. É no silêncio que as palavras mais fortes conversam... as minhas, habitantes da minha cabeça, mais descontroladas do que todas as outras. Aí começa o processo (talvez mais doloroso, eu diria) de amadurecer: mais difícil do que aprender a lidar com o que a vida lhe dá é descobrir como controlar o que você mesmo produz. Alguém disse uma vez e reafirmo: você é, sim, seu pior inimigo. E contra esse você parece mais fraco, certo? Suas energias se dividem e cada ideia quer te convencer de uma verdade. Nessas horas, uns vão te dizer para raciocinar, pesar, ponderar e eu até concordo, mas incluo: ouça o seu coração. "Ó, que piegas", você deve estar pensando agora. Verdade, mas não há bússola mais precisa do que batimento cardíaco. Quando ele aumenta e dá aquela dorzinha misturada com um medo estranho, continue andando que o caminho é esse. Pode não dar nada certo (sempre há essa possibilidade), mas a chance de arrependimento diminui em 80%. Logo, eu fico com o coração.
     Meu desejo a você, neste dia, já que as palavras têm tanta força, é que você consiga filtrar o que realmente deve ocupar um espaço nos seus pensamentos e na sua lista de prioridades. E, algumas vezes por ano (ou por semana, conforme for sua necessidade), faça uma arrumação nas suas gavetas internas. Mas cuidado, só deve ser doado o que ainda tem utilidade. Se você quer se livrar das ideias que não cabem mais na pessoa que você é, jogue no lixo, e não, nos outros. Observe o que as pessoas estão usando e, só pra variar, adquira umas coisas novas também. Chega dessa preguiça e desse conformismo de ser quem você já é e largue essa vida de caranguejo. Quem quer ser feliz anda sempre pra frente!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

E se...

E se você tivesse somente mais um dia?
E se lhe sobrassem desejos e faltasse tempo?
E se você pudesse rever como foi sua vida até então?
E se não houvesse mais chance de mudar?
E se, naquelas batidas aceleradas de desespero no seu coração,
você sentisse medo?
E se, ao recostar-se para se acalmar, você dormisse...
e no seu sonho lhe fosse dada a oportunidade de criar uma nova vida?
E se você, agarrado ao seu medo, vivesse aquele sonho
de um jeito diferente de como havia sido sua realidade?

E se eu pudesse te acordar e te dizer que tudo
havia sido só um pesadelo?
E se eu pudesse te dar a mão
e te mostrar o que realmente é importante nessa vida?

Irrealidade

Ela tinha uma vida inventada.
Acordava para os seus afazeres fictícios;
contava os pseudo-minutos para que passassem rápido;
se empanturrava de comida-contra-ansiedade;
fazia o que lhe era exigido, sorriso no rosto e cansaço no coração.

Até aquele determinado momento...
Aquele pelo qual ela esperava durante todo o dia falso.
Ela, então, colocava uma roupa confortável e se deitava
feliz por saber que, em seus sonhos, ela poderia ser quem realmente é
e ter a vida que gosta de viver como real.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Chronos

Um dia, o homem resolveu dividir a vida em minutos.
Organizou suas atividades em dias;
Dividiu as obrigações em meses;
Repartiu os objetivos em anos.


Eu prefiro viver com o pé nas coisas que não cabem no tempo.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Coração é meio como sapato; quando aperta, fica mais difícil caminhar...

caminh(antes)

Nessa vida se é construtor.
Cada passo que se dá é seguido pela construção do chão onde se vai pisar a seguir.
Uns o fazem das pedras que são atiradas neles;
alguns, de sonhos;
outros, de pessoas.
Eu o faço de dúvidas.
São as coisas que me sinto bem pisando em cima.
E, na verdade, a nossa única certeza é de que cada passo pode virar uma nova jornada.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Criado-mudo

Um dia acordei e as palavras haviam sumido.
E pensei que não cantaria mais aquela canção;
Que não pudesse mais escrever;
Que não pudesse mais orar;
que não pudesse mais...

Fui feliz aquele dia.
Mesmo com tantos medos, fui feliz.
Naquele dia silencioso, eu aprendi
que o mais profundo do que há em nós
não consegue ser dito.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Conversas Secundinas

   - Ha!Ha!Ha! Muito boa essa sua história...

  - Você não tá acreditando, mas é tudo verdade! Eu tenho meus informantes. E é por causa dessa maçã que você foi castigada. Vai viver várias coisas que nem te conto... E tudo por causa de uma maçãzinha! Se ainda fosse uma barra de ouro!

   - Ai, ai! Melhor ouvir isso do que ser surda! Então tá. Fale mais sobre esse castigo aí.

   - Bom, eu não sei muito bem como é, mas sei que envolve dor! E muita! Sei também que tem sangue! Isso sem contar que tudo lá fora foi feito pra gente como eu: vou poder ganhar mais dinheiro que você, vou ser mais forte, mais inteligente e, além disso tudo, vou poder andar sem camisa e ninguém vai se incomodar com meus pêlos.

   - Hum...

   - Não queria te enganar não, mas eu vou ser o rei do mundo! Vou poder fazer tudo o que eu quiser e minha vida vai ser fácil. Já você... Bom, fique sabendo, irmãzinha, que eu vou estar sempre pensando em você, embora saiba da vida triste que você vai ter. É triste não estar no controle de tudo.

   - É, você tem razão...

   - É, eu sei. Fiquei curioso com essa história de ter sangue no seu castigo! Já pensei em várias possib...Opa! O que é aquilo?!

   - “Aquilo” significa que chegou a hora de sair daqui! “Aquilo” é a saída!

   - Sério?! Como você sabe? Ah! Não importa... Mundo querido, aí vou eu!

   - Tchau, maninho! Te vejo lá fora!

   - Psiu! Agora que estamos a sós, me fale uma coisa. Por que você concordou com ele?Por que não disse toda a verdade: que é você quem vai ter a chave pra decifrar o mistério da vida?

   - Pra quê? Ele não iria entender mesmo. Quem sabe lá fora ele não aprende...

sábado, 14 de agosto de 2010

Seu Icídio

Ele dançava ao som indecente dos violões. Se jogava na vida. E, em seus passos, a música girava em torno do que ele acreditava ser real. Imaginava-se num tango doce e quente. E ao levantar da música, sentia seu coração acelerando e batendo e gritando e dançando... como seu corpo.

Foi sua última dança. E aposentou os sapatos.
Sem aquele rosto na plateia, não haveria mais razões para pisar no palco da vida.

Lustrou-os, antes de guardá-los no ármário. Dedicou-se a observá-los por uns minutos.
Talvez não tivesse dado valor a eles... não o quanto mereciam.
Curioso como se repara mais nas coisas quando elas não estarão mais conosco na vida... - pensou.

E rezou. Sentia-se chamado a fazer isso, mesmo sem entender bem o porquê.
Pegou seus sapatos; olhou-se no reflexo do couro lustrado.
Couro curtido, marcado pelos passos.




Abriu o armário, guardou-os. Desligou a música. Apagou a luz.
Fim do espetáculo.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A mim

Andei fugindo de mim...
Tentei me perder, esquecer de me buscar na escola;
Não me levei ao parque nem li histórias pra eu dormir;
Me fantasiei pra não me reconhecer.

Não desisti de mim, só queria uma folga de me ver, todo dia,
com essa mesma cara
e as mesmas angústias.

Mas não me julgue, não somos tão diferentes assim.
A verdade é que faço isso
na ânsia de me encontrar.

Esperânsia

Tanto tempo pensando no amanhã.

Envelheci sem ver as horas passarem;
Trabalhei sem buscar felicidade no que fazia;
Li sem absorver;
Amei sem me entregar;

Sobrevivi.

Hoje, esses cabelos brancos me indicam que deveria ter vivido mais.
Que pensar no momento em que se está é a chave para não desperdiçar
a vida.

Tanto tempo pensando no amanhã...
Agora já não tenho mais certeza se ele realmente virá.
Mas aprendi, mesmo que tarde.
Tarde? Isso não existe.
Viverei meu momento presente
esperando que o próximo minuto seja bom
e nada mais.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Ensaio secreto sobre Deus

Sentir a brisa no rosto, estando em frente ao mar, assistindo a um pôr-do-sol. Ver o sorriso descompromissado de um bebê. Olhar a lua em uma noite boa. A mim, não interessa a nomenclatura; não há dúvidas sobre essas sensações. Uns dizem que não há como descrever, outros passam a vida a teorizar. TEOrizar; irônico, não?
Julgo que há, mesmo, uma necessidade humana de reconhecer-se como fruto de uma força maior; de ter algo ou alguém em quem possa colocar a responsabilidade por acontecimentos que lhe fogem ao controle. Mas há, na humanidade, um desespero por sentir-se com razão. Sempre. E quem diz que 'acredita em si mesmo' quando lhe perguntam sobre Deus não se dá conta de que nós e ele somos indivisíveis, apesar de opostos. Divididos, apesar de 'imagem e semelhança'. Dicotômicos.
A experiência de ser criatura pressupõe entrega; e a experiência de entregar-se pressupõe coragem. A grande maioria das pessoas que conhecemos não passa de uma imagem superficial de que fazemos dela. Aquelas que, finalmente, se deixam revelar, passam a fazer parte de nós e nós delas. Começam a fazer diferença. Se tornam um pouquinho de Deus em nossa vida e transformam nossa caminhada em um passeio na beira da praia com boa companhia.
Reconhecendo todos esses fatos, ainda há a perturbação pela verdade. Afirmar exatamente o que acontece além do que se pode enxergar passa a ser, então, compromisso de todo aquele que crê. Bom, não há aqui a pretenção por levantar uma verdade própria, mas ouso dizer que estão todos errados. Inclusive eu. Se pudéssemos compreender além do que nos é exposto, seríamos suficientemente inteligentes para questionar essa possibilidade. Somos ignorantes o suficiente para não darmos conta de nossos próprios atos e pensamentos e culparmos nossa 'humanidade' por isso. Porque sermos humanos nos dá espaço para errarmos. Mas quando esse erro passa do limite criado pela sociedade, dizemos que foi desumano. Não nos entendemos... E queremos entender Deus?
É preciso abrir mão dessa necessidade humana de estar certo e perceber que certas coisas não estão aí para serem compreendidas, mas sentidas, experienciadas. E, apesar de toda essa nossa (des)humanidade, devemos buscar santidade em nossas ações; divindade em nossa humilde ignorância do dia-a-dia. E , mesmo assim, confiar nos planos dEle pra nossas vidas porque, convenhamos, nossas vontades são individuais e individualistas. Se pudéssemos realmente controlar tudo, alguém, com certeza, sairia perdendo.

segunda-feira, 12 de julho de 2010



Enquanto esperamos na janela, os carros passam. É comum do ser humano esperar um movimento qualquer. Mesmo quando estamos dentro dos carros, temos a impressão de que é a rua que corre, e não nós.


E assim é mais fácil mesmo. Até que o mundo para de girar e você tem que sair correndo por sua conta. Ou já viu peão rodar sozinho, sem ninguém jogar? E quando chega esse momento, não adianta culpar o cosmos e se perguntar porque Marte e Mercúrio resolveram criar uma linha paralela justo neste mês.


O segredo é viver o que tem pra hoje. Se é alegria, aproveite! Se é tristeza, fazer o quê. Não adianta correr com a vida. Se tem que hibernar hoje, ok. Mas nada de ficar o inverno inteiro.

Se você reparar, os dias de inverno, às vezes, também amanhecem com sol.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ao dia dos namorados

A saudade é uma presença ausente.
Talvez fosse simplesmente mais fácil não te ter.
Assim não sentiria seu cheiro por aí e não me faltaria sua pele;
não haveria borboletas e seu olhar seria mais um;
talvez eu pudesse dormir.

Mas as ruas têm seu perfume e me falta seu abraço;
meu estômago pulsa e anseio por seus olhos;
faz tempo que você mora nos meus sonhos...

Priorizo sua vida junto à minha
e meu nome em seu coração;
ser seu primeiro pensamento,
seu café da manhã,
seu 'boa noite',
sua ceia,
sua madrugada.

Caminhar sozinho é corrida.
Eu quero é passeio!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Os olhos de Deus

Sentada num banco ao lado de um pequeno parque na praça estava uma senhorinha de cabelos brancos, olhos fitando o longe, numa quase concentração silenciosa. Quase, pois as brincadeiras das crianças impediam qualquer silêncio de perdurar.
Ao vê-la, uma linda jovem de cabelos negros se aproximou, sem nenhum assunto ou coisa assim. Chegou mais perto como um ato automático. Deu a ela um sorriso. Não houve resposta. Virando e voltando em direção ao lugar em que estava, ela ouviu a senhora balbuciar algo que parecia um chamado. Voltou a se aproximar.
_ Preciso de novos olhos. - disse.
A menina não compreendeu e ficou surpresa. Será que ela não podia ver? Por isso talvez não havia respondido seu sorriso...
_ Preciso de novos olhos!
Um sentimento novo palpitou na menina e subiu-lhe à garganta. Ela não poderia descrevê-lo, não sabia lidar com ele. Sentiu que deveria fazer algo por aquela mulher, mas não tinha ideia de como ajudá-la.
_ Você conhece o mar que se vê depois daquela pedra ali adiante? - perguntou à jovem.
Ela assentiu. A mulher então levantou-se com uma certa dificuldade e começou a caminhar em direção à pedra. A menina se surpreendeu... Como aquela senhora sabia o caminho se não podia enxergar? Antes que viesse à cabeça alguma possível resposta, ela rapidamente começou a seguir aquela mulher.
Ao chegarem ao topo da pequena pedra, as duas pararam. A senhora então disse:
_ Diga-me, o que você vê?
A menina então olhou o mar à sua frente. Tomada por aquela experiência, começou a descrever o que via. Disse sobre a cor da água e o quanto parecia uma punhado de gotas escorridas do céu. E que o movimento constante das ondas dava a ela energia pra se mexer também e fazer algo de bom, como se não fosse possível ficar parado diante daquela imagem tão mágica... Falou sobre cada detalhe e o quanto estar ali, com o vento no rosto e o mar à frente, a fazia sentir mais viva.
Após ouvir e absorver tudo, a senhora disse,com os olhos marejados:
_ Sempre que vinha aqui, água era só o que eu podia ver... Sabia dentro de mim que deveria haver mais. Algo que pudesse me trazer ares de juventude, de felicidade. Eu precisava de novos olhos; obrigada por me emprestar os seus.

domingo, 4 de abril de 2010

reflexão = ato de se olhar no espelho e, pelo menos uma vez, ver o que realmente há nele.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Interpretação

Em dia de circo, a cidade toda para. Não há movimento nem mesmo nos botecos das esquinas. Cachaça ainda não conseguiu ser melhor do que um bom saco de pipocas, um cone de amendoim e uma maçã do amor pra arrematar. As crianças, alvoroçadas, só perdem para a pressa dos vendedores em alcançarem os degraus mais altos da arquibancada antes do início do espetáculo.

Ao entrar no picadeiro, ele sente seu rosto se contrair em um sorriso forçado de ladrão de jaboticabas com os bolsos cheios. Faz seu trabalho, como sempre há de ser. Encontra o olhar marejado de encanto de um garoto na primeira fileira. Viaja até aquele dia em que viu a tenda sendo montada e pensou que não haveria maneira mais feliz de viver.

E fim de show, segue para o camarim improvisado, cheirando a flores velhas e roupas suadas. Esfrega o rosto até tirar por completo a lágrima pintada. Segue até a beira da rua. Já não há mais movimentação e nem lua cheia. Percebe, então, o olhar notado ainda seguindo seus movimentos. Nas mãos do menino um bilhete e o suor de quem está prestes a fazer algo que deseja.

Ele dá as costas ao menino e segue até o primeiro boteco. Pede uma dose pra esquentar o peito. Desenha uma lágrima no peito que não acredita que saia com água e sabão. Procura o menino com o canto dos olhos e o vê correndo pela rua, sumindo da visão, escorrendo entre os dedos, afogado naquela dose.

E o bilhete... Nunca chegou a descobrir o que dizia.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Bungee Jump

De repente me deu uma vontade de me jogar de cabeça.

Sou duas metades inversas:
sinto, penso;
corro, pondero;
ajo, reflito;
às vezes, me sinto em processo de decadência,
ou, com sorte, me jogo ao alto.
Quer saber?
Não vou me preocupar mais com as regras do jogo.

Decidi apenas seguir o desenrolar da vida.

Nave 010

Essas coisas do futuro me apavoram.
Venenosa característica do desconhecido;
encanta,
desafia,
amedronta.
Uma borbulhante enxurrada de sentimentos mistos.


Mas o que não mexe com minhas estruturas definitivamente não me interessa.