segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Interpretação

Em dia de circo, a cidade toda para. Não há movimento nem mesmo nos botecos das esquinas. Cachaça ainda não conseguiu ser melhor do que um bom saco de pipocas, um cone de amendoim e uma maçã do amor pra arrematar. As crianças, alvoroçadas, só perdem para a pressa dos vendedores em alcançarem os degraus mais altos da arquibancada antes do início do espetáculo.

Ao entrar no picadeiro, ele sente seu rosto se contrair em um sorriso forçado de ladrão de jaboticabas com os bolsos cheios. Faz seu trabalho, como sempre há de ser. Encontra o olhar marejado de encanto de um garoto na primeira fileira. Viaja até aquele dia em que viu a tenda sendo montada e pensou que não haveria maneira mais feliz de viver.

E fim de show, segue para o camarim improvisado, cheirando a flores velhas e roupas suadas. Esfrega o rosto até tirar por completo a lágrima pintada. Segue até a beira da rua. Já não há mais movimentação e nem lua cheia. Percebe, então, o olhar notado ainda seguindo seus movimentos. Nas mãos do menino um bilhete e o suor de quem está prestes a fazer algo que deseja.

Ele dá as costas ao menino e segue até o primeiro boteco. Pede uma dose pra esquentar o peito. Desenha uma lágrima no peito que não acredita que saia com água e sabão. Procura o menino com o canto dos olhos e o vê correndo pela rua, sumindo da visão, escorrendo entre os dedos, afogado naquela dose.

E o bilhete... Nunca chegou a descobrir o que dizia.

Um comentário:

  1. O menino às vezes some, mas vez ou outra ele volta, pra lembrar que um dia fomos assim...
    Trocamos a cachaça por saco de pipoca, e a vida parece mto mais leve!

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