domingo, 14 de novembro de 2010

Não calem os calos!

Uri vivia em um pequeno vilarejo e não conseguia um trabalho que fosse julgado digno por sua comunidade. Vivia muito triste, mas alimentava sua família - seu pai havia adoecido uns anos antes. Culturalmente, a população daquele vilarejo obrigava todas as pessoas que pudessem denegrir a imagem do lugar a usarem uma fita, muito forte, amarrada ao pulso. Depois do primeiro roubo (um pedaço grande de pão), Uri foi agarrado e recebeu a tal 'marcação'.

Desde então, anos se passaram. A época era outra já. Uri conheceu um empresário muito rico numa feira do lugar. Vendo a facilidade de comunicação dele, o empresário convidou Uri para trabalhar com ele em seu novo négocio. Uri nunca tinha tido nenhuma oportunidade parecida durante toda a sua vida. Aceitou de pronto!

Com essa nova vida, Uri começou a ver o mundo de outra forma. Saiu do vilarejo; conheceu novas pessoas. Depois do primeiro mês trabalhando, ele descobriu que poderia tirar a fita que era forçado a usar. A notícia trouxe um brilho aos olhos dele de que nem se lembrava mais. Mas, para retirar a fita, ele deveria visitar um monge no alto de uma colina, próxima ao vilarejo.

Na manhã seguinte, Uri acordou muito cedo, colocou uma roupa limpa e saiu de casa, rumando a colina. Caminhou por horas, embaixo de sol forte, até que avistou a entrada de um pequeno bangalô. Enxugou o suor da testa antes de entrar - queria estar apresentável. Imaginava ver uma pomposa porta, mas encontrou uma cortina fina cobrindo a entrada. Passou por ela e encontrou um senhor, pele ressecada, olhos úmidos. Sentou-se em frente a ele. "O que te trouxe aqui deve ser uma excelente razão", disse o senhor, "é uma subida difícil". "Eu fui liberado do uso desta fita", disse Uri, mostrando o pulso, "disseram que eu viesse aqui". "Ah sim... Só um minuto". O homem se levantou, foi até uma prateleira e trouxe uma tesoura brilhante. Ao sentar-se novamente, a manga de suas vestes se levantou e Uri viu um pedaço de pano de cor diferente, muito viva. "O senhor usa essa fita!?" perguntou, assustado. "Mas como isso é possível se o senhor é quem pode tirá-la de mim?" "Sim, eu tiro a fita dos outros, mas não pretendo tirar a minha." Uri ficou abismado. Jamais sentiu felicidade igual ao dia em que descobriu que poderia olhar para todos no vilarejo de frente. "Mas, senhor, perdoe-me a intromissão. Como o senhor se sente podendo não carregar mais o peso de ser diferente e, mesmo assim, optando por continuar com a fita?" O velho homem levantou-se, pegou a tesoura e cortou a fita do pulso do rapaz. Um sorriso nasceu no rosto de Uri. "Olhe seu braço", disse o senhor. Uma marca havia no pulso de Uri por causa dos muitos anos sob o sol, usando a fita. "Não importa que você se vista diferente, que pareça com todos os outros. O que vivemos ficará marcado em nós para sempre. São essas marcas que nos transformam em quem somos hoje. As experiências da vida são pessoais e intransferíveis. Quem não tem marcas é por que não viveu, decidiu ficar em casa assistindo a vida passar. E, por isso, eu mantenho a fita."

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